quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Espírito Natalício


Nesta altura do ano os seres humanos que habitam nos países católicos adoptam um comportamento suigéneres visto de uma perspectiva relativizante.

Comecemos por abordar o sentido original da palavra Natal. Segundo os especialistas esta palavra significa nascimento, e é utilizada pelos católicos para se referirem ao nascimento do Messias, Jesus Cristo, em Belém no dia 25 de Dezembro de há 2007 anos atrás. Assim, por esta altura os devotos de Jesus Cristo celebram o seu nascimento seguindo algumas tradições postuladas pela Igreja Católica. Manda a tradição que esta seja uma época de generosidade, união e convívio entre os seres humanos. As famílias reúnem-se na noite de 24 de Dezembro para à meia-noite celebrarem o nascimento de Jesus Cristo. Seria um serão de reflexão, paz, amor e comunhão religiosa.

Tendo em conta esta descrição do Natal, posso afirmar com toda a certeza (pelo menos na minha opinião) que não é isto que se passa hoje em dia no mês de Dezembro nos ditos países católicos. É um fenómeno bastante diferente e até caricato. O que se observa são amálgamas de indivíduos a acorrerem às zonas e centros comerciais. Porquê? Bem o propósito é comprar presentes para os familiares e amigos simbolizando as oferendas feitas ao Menino Jesus, pelos três reis magos, num acto de amor. Esta corrida aos presentes de Natal começa nos fins de Outubro, início de Novembro, quando os estabelecimentos comerciais expõem os seus enfeites de Natal, lembrando solicitamente aos seus clientes que chegou a “tal” época do ano. Nesta altura, o cidadão comum começa a frequentar as zonas comerciais. E que fazem? Nada. Passeiam-se pelos centros comerciais para ver as decorações de Natal e para iniciarem a sua prospecção de mercado. Entram raras vezes nas lojas e os mais corajosos atrevem-se a ver os preços de alguns artigos, o que os leva a sair prontamente com um “Boa tarde, obrigado”.
Chegado o fim de Novembro, é a dolorosa altura de abrirem os cordões à bolsa e começarem de facto a comprar os ditos presentes. É então que começa o caos. Os acessos aos centros comerciais ficam completamente bloqueados. Cada indivíduo ao sair por volta das 19h do trabalho chega finalmente por volta das 22h ao centro comercial, depois de ter passado um total de 4 horas diárias em filas de trânsito e com a barriga vazia pois não teve tempo para jantar. A disposição para comprar presentes atinge o seu pico do ano….. o mais baixo, entenda-se. Resignados, lá começam a árdua tarefa de escolher os melhores presentes para os seus parentes. É neste trágico momento que se confrontam com a realidade de não terem dinheiro suficiente para comprar os presentes que gostariam de oferecer e mais ainda que a muitos parentes nem sabem o que oferecer, já que só os vêem em casamentos e baptizados, não sabem a sua idade, profissão, nem sequer o nome completo para escrever no cartão. Assim, acabam por comprar um tareco qualquer, sem utilidade nenhuma e que provavelmente vai directo para a arrecadação do seu destinatário onde ficará até ao próximo Natal, altura em que será oferecido a um outro parente. Este ciclo só termina quando o dito tareco estiver visivelmente velho e caduco, altura em que vai definitivamente para o lixo depois de ter passado anos em arrecadações húmidas e escuras. Mas foi barato, e isso é que interessa. Depois de passarem horas nas filas de trânsito e a percorrerem todas as lojas em busca do tareco mais piroso e barato do centro, dispõem-se heroicamente a esperar mais uma hora de pé na fila para os embrulhos. O seu dia termina por volta da uma da madrugada, esperando-os apenas 5 horas de sono até à manhã seguinte. É verdade que estes indivíduos empreendem um esforço físico nestes dias superior ao total do resto do ano inteiro. Bem vistas as coisas, a época de praia poderia ser imediatamente a seguir ao Natal, assim poupavam dinheiro em ginásios que só frequentam durante um mês. Mas infelizmente não é possível porque o tal Menino Jesus só nasceu em Dezembro.

Nas semanas que antecedem o Natal, começa então a fúria do açúcar. Sim, leram bem, sucedem-se as encomendas de filhozes, azevias, rabanadas, sonhos e outras iguarias que tais, bem carregadas de açúcar e gorduras. Começam também as compras das couves, batatas e o típico bacalhau, em quantidades que davam para matar a fome em África e que no dia 26 ou 27 vão directamente para o lixo.

Eis então que chega então a grande noite, 24 de Dezembro. Estranhamente o espírito natalício destes indivíduos está no seu pico….mais uma vez, o mais baixo do ano. É compreensível bolas! Vejamos: passaram o ultimo mês entre o trabalho, as filas e as lojas, estão mais tesos que um bacalhau seco, estão enjoados e sem apetite porque passaram os últimos dias a fazer ou a comprar doces e têm à sua frente uma mesa onde não cabe nem mais um palito. Acrescentando, estão sentados com 12 pessoas praticamente estranhas, numa mesa onde cabem seis, com o dito primo ou tio a repetir as mesma histórias de há 10 natais passados e com os filhos a perguntarem de 5 em 5 minutos quanto tempo falta para a meia noite. De facto não há paciência. Se o menino Jesus soubesse que a sua festa de anos era assim, recusaria o convite preferindo ficar na agradável companhia do burro e da vaca. Qual a solução que estes indivíduos encontram para este quadro deprimente? É óbvio: o vinho, e depois o moscatel, e também um whisky, ou dois ou três.

Chega então a tão esperada meia-noite. O avô, ou o tio, ou o primo vestem um fato de Pai Natal comprado na loja dos chineses e finge ser o mítico velhote para agradar as crianças da família, que já não acreditam no pai natal pelo menos há 2 anos. Além disso, devido aos copitos a mais a voz pastelosa e o andar cambaleante é indisfarçável. Rasgam-se os embrulhos, que tantas horas na fila custaram, e eis que….surgem os ditos tarecos. A sala ilumina-se com os inúmeros sorrisos amarelos e os forçados “obrigado, gostei muito” e assim passa a bebedeira. Só os risos das crianças, as únicas que gostam realmente dos presentes porque prevenidamente fizeram uma muito útil lista, animam o ambiente.

A noite de amor começa a chegar ao fim, as crianças começam a adormecer, os adultos começam a ficar com azia e ressaca devido aos comes e bebes e à visão de uma casa inteira para arrumar. Apressam-se nas arrumações, cada um leva a sua porção de lixo para a rua e dirigem-se para as suas casas onde os esperam umas santas e parcas horas de sono porque no dia seguinte a saga continua.

E é assim o Natal….